sábado, 30 de dezembro de 2017

Ely Barbosa, um artista pouco reconhecido dos quadrinhos nacionais.


Hoje em dia ele é muito pouco lembrado, mas com certeza você já viu um trabalho dele. É dele o visual adotado pela turma do Sítio do Pica-Pau Amarelo em sua versão em desenho, de 1997 a 2001, quando a Rede Globo optou por outro estilo de traço em suas animações. Mas o que dói lembrar é que esse grande quadrinista brasileiro, aliás, não só isso, como também animador, publicitário e grande criador de conteúdo, está em total esquecimento. Antes mesmo de sua morte, em 2007, vitimado pelo Mal de Parkinson, já não se falava mais dele, isso porque o brasileiro tem mania de falar que em nosso país não temos quadrinistas de expressão, e sequer sabemos reconhecer nossos talentos de verdade. Quem tem mais de 30 anos viveu bons momentos na infância com seus personagens. Mantenho viva na minha memória as historinhas da Turma da Fofura, do Gordo, da Patrícia, personagens que para mim não ficam devendo em nada aos personagens do Maurício de Souza, por exemplo. Lembrando que nos anos 60, ao lado de Maurício de Souza, Júlio Shimamoto e Gedeone Malagola (criador de heróis nacionais, como o Raio Negro), integrou a Associação de Desenhistas de São Paulo (ADESP). Contarei agora minha experiência com as obras desse estimado autor, e a contribuição que ele deixou para minha admiração pela leitura, quadrinhos e animação.


Quando criança eu adorava ler revistinhas em quadrinhos da Turma da Fofura, gibis que dividiam minha atenção (e a disponibilidade nas bancas para o adulto que fosse buscar para mim) com a Turma da Mônica. Anos mais tarde é que fui descobrir a leitura dos quadrinhos Disney. Eu achava o gibi da Turma da Fofura tão bom quanto os do Maurício de Souza, e é curioso hoje saber que a Editora Abril o lançou em substituição aos gibis da Mônica e sua turma, que tinham migrado para a Globo. Fofura é o nome de uma coelhinha branquinha e fofinha, dentuça e de vestidinho vermelho, sendo até fácil fazer uma maliciosa analogia ao personagem mais famoso do Maurício de Souza. Faziam parte de sua turma o cachorro Lambão, o coelho Escovão, e o Nenê, que assim como o Cebolinha, também falava ´´elado``. Como podemos ver, essa turma era mesmo uma fofura. Além da Turma da Fofura, Ely Barbosa lançava pela editora os gibis de seus outros personagens, a Patrícia e o Gordo, que faziam parte de outra turminha, entre ela personagens como Terremoto, um garoto encapetado que tinha como tique produzir o ruído TTTRRRRR, Fininho, e mais outros que minha memória já não permite mais lembrar. Como desde sempre os personagens do Maurício de Souza eram grandes expoentes do sucesso do quadrinho nacional, não é difícil imaginar que os personagens de Ely Barbosa carregassem grande influência de suas obras, era possível reconhecer características semelhantes neles. Terremoto, por exemplo, sempre achei muito parecido com o Cebolinha em suas travessuras, além de acabar se ferrando bonito no final das historinhas. Mas Ely Barbosa era versátil e buscava influência não apenas em um único lugar, se baseava também nas animações que faziam sucesso na época, sem contar seu estilo próprio e a inovação em misturar personagens humanos com animais humanizados, todos eles pertencendo ao mesmo universo de fantasia.  

Bom, mas isso foi nos anos 80, e não foi nessa época que se iniciou a carreira de Ely Barbosa. Seu primeiro trabalho com quadrinhos foi desenhando para os gibis dos Trapalhões, na época da editora Bloch, nos anos 70. Cheguei a ver umas edições avulsas em alguns sebos do meu bairro de infância, e para falar a verdade nunca me interessei em conhecer. O legal mesmo era a versão mirim do quarteto, publicada também pela Editora Abril, muitos anos depois. Ainda nos anos 70 chegou a trabalhar com o Silvio Santos produzindo animações e criando personagens para publicidades. Produziu o comercial, hoje cultuado, da DDDrin, empresa especializada em controle de pragas, bem ao estilo da Insetisan, velha conhecida até mesmo de quem não foi da época. Produziu trechos de animação do filme Aventuras com Tio Maneco (1971, Flávio Migliaccio), juntamente com Ziraldo.
Mas creio que seu grande êxito artístico foi o lançamento do gibi Cacá e Sua Turma, lançado em 1977, quando decidiu desistir de trabalhar com animação e passar a se dedicar aos quadrinhos. Cacá é um cachorro simpático, e em seu gibi tinha historinhas de Lili e Dentinho, personagens já conhecidos do tempo em que trabalhava com Sílvio Santos, João Banana, Turma da Fofura, Turma do Gordo, e em sua segunda fase, os Tutti-Fruttis e os Amendoins, estes últimos de grande apelo ao público não infantil. Apesar de todo sucesso inicial, o gibi saiu de circulação em 1982.



Os primeiros quadrinhos feitos por Ely Barbosa foi para o gibi de Os Trapalhões

Em 1983 vai ao ar na Band o programa TV Tutti-Frutti, do Estúdio Elly Barbosa, com bonecos animados de seus personagens. Uma espécie de TV Colosso ou Vila Sésamo da época. O programa rendeu o prêmio APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte). Pouco depois, a Rede Bandeirantes exibia Boa Noite Amiguinhos, um programinha que passava às 20:00 com uma história de até cinco minutos com os personagens da Turma da Fofura. No final, um clipe bem fofo para botar as crianças para dormir. Mais tarde estreava Fofura na TV, série de conteúdo didático, que teve uma boa projeção internacional. Esses programas me lembram um pouco os Muppets.





No começo da década de 90, os gibis de Ely Barbosa pela Editora Abril foram cancelados. O autor volta então a se dedicar à publicidade, além de publicar romances e livros infantis. Seu maior sucesso literário até hoje é Onde Estamos, publicado pela editora Paulinas. Em 2002 é relançado a coleção Sílvio Santos Para Crianças, projeto feito em parceria entre o apresentador e o desenhista nos anos 70, porém com a arte refeita.



Contudo, o que realmente aproveitei do autor foram seus quadrinhos dos anos 80 mesmo, o que para mim já é uma experiência muito estimada. Os detalhes de sua biografia e de suas obras fui me informando pouco a pouco em sondagens pela internet, e tudo que me rendeu foi a sensação de que perdemos um grande autor brasileiro de obras infantis que sequer foi prestigiado corretamente. Pois, se nos anos 70 e início dos anos 80 ele pôde ter um certo reconhecimento, nos dias de hoje ele mereceria ser relembrado, suas obras republicadas, e seu nome creditado como um dos maiores cartunistas e empresários brasileiros, ao lado de Maurício de Souza e Ziraldo. Esperaremos que, mesmo depois de sua morte, sua obra possa ser apreciada por gerações futuras, e que aprendamos a tempo que nossas obras, ao menos em termos de criação, não estão abaixo de produções como a Disney, já que dinheiro e empreendimento é bem diferente.


Um Passeio no Cometa

Ainda quando lia seus gibis, morria de vontade de ter um brinquedo da Turma da Fofura, mas não existia. Fantasiava em ver os personagens reais, em carne ou osso, mesmo em animação (ainda era muito pequeno e nem sabia que chegou a existir o Boa Noite, Amiguinhos), tal como tinha com os personagens da Turma da Mônica, pessoas reais interpretando os personagens com máscaras e fantasias em rápidas apresentações. Eis que um dia vi estampado atrás de um gibi a propaganda da peça com a Turma da Fofura chamada Um Passeio no Cometa, sendo trazida em VHS pela Globo Filmes. Não cheguei a assistir a fitinha, mas já deu para matar um pouquinho minha vontade de ver os personagens fora das páginas dos gibis apenas olhando a capa da VHS. É lógico que fiquei sonhando por um bom tempo que estava assistindo a fita, mas só pude satisfazer minha vontade dia desses, graças ao nosso querido Youtube. 



Curiosidades:

Ely Barbosa era irmão do novelista Benedito Ruy Barbosa. Os personagens do programa Oradukapeta,  apresentado por Sérgio Mallandro nos anos 80, Anjinha e Capetinha, foram criações de Ely.