segunda-feira, 9 de julho de 2018

Crianças ligam para roteiro de filme?


O Gato, 2003. Estrelada por Mike Myers, a produção tem roteiro simples, genérico, porém funcional, e o filme se sustenta pelas travessuras do espevitado gato mágico que diverte as crianças com suas cores, movimentos e alegorias.
Uma questão interessante a ser discutida que vem me chamando atenção há um tempinho, é se as crianças realmente ligam para as historinhas de seus programas favoritos, seja desenho animado, filme ou qualquer outro programa infantil. Mas antes de fazermos uma análise, devemos lembrar que todos nós já fomos crianças um dia, e que elas são muito visuais, se interessam por cores, som e forma, e que, sendo sinceros, não é difícil conquistá-las com personagens cativantes, engraçados, de aparência amistosa e fala engraçada, ou de aparência forte, viril e moderna e voz canastrona, no caso dos heróis. Muito do que gostamos hoje nos foi apresentados ainda na época de nossa infância, como super heróis, animação, quadrinhos e determinados tipos de filmes, e será que a gente consegue lembrar da sensação que isso causava na gente e como reagíamos a esses estímulos narrativos e sensoriais? É o que veremos a seguir. 

Vamos lá, devemos concordar que criança gosta de repetição, não é mesmo? Elas não ligam em assistir uma atração contínua, de episódios intercalados, uma ação ligando à outra. Se um simples único episódio a proporcionou uma experiência agradável, ela vai querer assistir a esse mesmo único episódio mais vezes, em outros dias, em outros momentos de sua vida, mesmo já sabendo o que vai acontecer. Não podemos esquecer que a criança não tem a mesma autonomia de um adulto, e fica na dependência deste para assistir aquilo que lhe agrada, e essa experiência passa a ser valiosa à essa criança, mesmo que não percebamos. Mas também não se surpreenda se o que a despertou atenção não foi o episódio como um todo, e sim determinadas cenas. A criança então associa o episódio do desenho em questão ao adulto que a incentivou a conhecê-lo, e a influência deste adulto sobre essa criança passa a ser respeitada por ela. É nesse momento então que o adulto sabe que a criança vai acatar o conteúdo que ela possa escolher para lhe apresentar, portanto as escolhas devem ser as melhores para cada faixa etária, animação educativa, programas divertidos para sua idade, mas tudo apresentado em seu devido tempo e um produto de cada vez, pois a criança não tem a capacidade assimilativa de um adulto, e possa ser que deixe de prestar atenção rapidamente, se dispersando, e a tentativa de fazê-la conhecer novos programas passa a se tornar em vão. Lembrando também que um espetáculo infantil, de qual natureza for, não deve jamais ultrapassar uma hora e meia de exibição, isso causa fadiga à criança e acaba lhe causando uma experiência torturante (Acredite, uma hora é um tempo demasiado longo para elas). Caso um tipo de programa a deixe de interessá-la, mesmo que ela já tenha se encantado por bastante tempo por um episódio isolado, é hora de apresentar algo diferente. Muitas vezes elas se interessam não pelo programa em si, mas por determinada cena, determinada ação e sequencia, por mais simples que pudesse ter sido, e nesse caso não é bom forçá-las a assistir outros episódios. Como sabemos, as atrações infantis tendem a se copiar e possivelmente ela vai reconhecer ações semelhantes em outros programas do gênero. Um tempinho depois ela pode desejar revisitar tal programa deixado para trás, e é assim que a criança vai moldando seus gostos, seu caráter, o interesse por determinada situação retratada, afinando suas preferências narrativas. 

Pingu, produção de 1986, animada em stop motion com personagens feitos de massinha de modelar. Mesmo não tendo fala inteligível, os episódios prendem as crianças por ter uma historinha de início, meio e fim, geralmente finalizada com uma lição de moral. 

Em meu tempo de criança pode até ser que a programação da TV aberta tivesse um leque muito grande de atração infantil, mas nada de TV a cabo nem Internet, portanto, não existia essa infindável variedade de programas infantis, para todos os gostos e idades. É certo que podemos encontrar por aí um ou outro desenho para pessoas ´´maiorzinhas``, mas temos também uma vasta gama de desenhos educativos, e as produtoras tendem a experimentar mais, cancelando uma série e emendando outra logo depois, dada a facilidade atual de se produzir tais conteúdos. Acontece que nenhuma produção cativa uma criança por tanto tempo, o que acaba valendo são produtoras querendo fisgar ´´classes de crianças distintas`` com suas ´´atrações distintas``, essas que produzem conteúdo para cada tipo de criança, as maiorzinhas, as menores, meninos, meninas, as menos favorecidas financeiramente, as de escola particular, as de pais separados, as que assistem TV com os pais, etc, acredite, é bem assim que as coisas funcionam. Tendo em vista que as crianças crescem e a geração de hoje caminha para um estilo de vida onde se descarta as coisas que não lhe servem mais, diferente da nossa que até hoje se interessa e pensa com carinho em produções como As Tartarugas Ninja, Transformers, He-Man, G.I Joe, etc, e ainda sofremos quando resolvem, ainda hoje, mexerem em suas fórmulas, as produtoras atuais optam por não reciclar seus conteúdos, preferindo, em vez disso, criar uma atração genérica nova. Nada de temporadas e mais temporadas de uma única animação, a preferência é pela quantidade e não qualidade, por mais que isso pareça indelicado de se dizer, por isso tantas atrações parecidas, de traços semelhantes, histórias simples e personagens esquecíveis. Por isso, o investimento é mais nas cenas e em histórias isoladas no que no roteiro como um todo. Pelo que dizem, a criança de hoje é mais dispersa, mais hiperativa, não assiste desenho na televisão como antigamente, e sim em smatphones, tablets e têm outros meios de entretenimentos em mãos, como jogos de videogames portáteis e de mesa. Contudo, prender a atenção da criança é algo que exige esforço, não podendo se dar ao luxo de mantê-la com os olhos fixos na TV com soluções arriscadas envolvendo histórias complexas.

Ainda em se tratando de nosso tempo de infância, os desenhos eram sim mais bem estruturados, o roteiro falava mais alto. A diversão era para toda família, as produtoras de animação buscavam fazer os pais acreditarem que aquele conteúdo era sim bom para as crianças, e o apelo se direcionava sem medo aos adultos, assim como a publicidade de sua coleção de brinquedos, que passava às vezes até mesmo em horário nobre. Era comum animação baseada em filmes não necessariamente infantis, como Rambo, Karatê Kid e Robocop, para citar alguns, algo não muito fácil de se pensar hoje em dia. Ainda hoje somos pegos pelo tão presente fator nostalgia e nos esbarramos com produções recicladas das animações de nosso tempo, a maneira que as grandes produtoras, em parceria com canais de TV a cabo, encontraram para nos fazer consumir tais produtos, inclusive as apresentando à uma nova geração. Bem assim são com os filmes da Disney, da Pixar, e adaptações live action. Note que atualmente as produções são sempre as mesmas, pois, se não fosse assim, as chances dessas produtoras se meterem em cilada seriam muito grandes.

Conclusão
Que as crianças hoje em dia são mais dispersas, ninguém discute. Mas não quero arriscar dizendo que isso seja algo necessariamente ruim. Como já sabemos, as coisas mudam, e talvez essa seja apenas uma evolução do tempo. O modo de ver televisão, inclusive, já não é o mesmo há algum tempo, e por que não seria assim também com as produções infantis? Mas, em defesa delas, digo que as crianças são sempre iguais, não importando de qual época. Eu quando criança assistindo a um filme de super herói, contava os momentos de ele aparecer na tela para ver suas sequências de ação, suas cenas de luta, o modo como combatia os inimigos, seus poderes, toda a mise-en-scène envolvida, pouco me importando com o roteiro, claro que se ele não se esforçasse para me prender a atenção. A bem da justiça, até hoje sou assim. Mas naquela época, entender o porquê de tudo aquilo funcionar daquele jeito era uma tarefa do adulto que estivesse assistindo comigo. Por isso que hoje vemos brinquedos de determinados personagens que, segundo alguns chatos, não são beeemm assim infantis. Mas o que de fato a interessa é ter a certeza de que o que aquele personagem faz é o certo e ter uma roupa bonita, além de fazer bem feito suas cenas de ação. Mais tarde, ele vai revisitar esse personagem com olhos mais técnicos, às vezes até mais chatos, e aí ele vai perceber que dessa vez está ´´estudando`` suas produções. Era assim comigo, era assim com você, e vai ser assim com todo mundo.