terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Ah, minha querida juventude!


Fico aqui me perguntando se alguém mais sabe que Trainspotting - Sem Limites teve uma sequencia em 2017, ou mesmo se alguém se interessaria em saber, pois a continuação levou mais de 20 anos para ser lançada. Mas é melhor assim, sendo uma sequencia direta, nada de remake ou prequel, fiel ao original, também de Danny Boyle. Lembro de quando assisti ao filme quando ainda era uma novidade, lá nos anos 90, por ter minha curiosidade despertada de tanto que ouvia falar por parte do público e crítica, quase sempre de maneira elogiosa. Ainda bem moleque me interessei pelo tema pesado e cheio de ´´maus exemplos para nunca se seguir``, o que acabava fazendo o filme ser empurrado para uma audiência mais jovem como os adolescentes da minha faixa, mas o filme me conquistava por ser divertido, um misto de comédia com humor negro, mais atraente do que se servisse apenas como utilidade pública, por mais que a realidade do protagonista Mark Renton e sua turma fosse bem diferente da nossa. E o filme continuou por anos e anos mantendo seu status de clássico cult, sempre atual, realista e dramático, tudo ao mesmo tempo, sem deixar de lado a comicidade e a empatia dos protagonistas. 
Em 2017, uma sequencia que ninguém mais esperava, foi lançada. Apenas os leitores dos romances de Irvine Welsh nos quais os filmes se baseiam, imaginavam que uma continuação poderia ser feita, sendo que o último livro, intitulado Porno, é de 2002 e só agora foi adaptado. O filme surgiu meio despercebido, apenas um ano depois tomei conhecimento, e com muita curiosidade e cheio de saudade dos personagens adictos, assisti com toda boa vontade, já imaginando reviver os momentos divertidos e pitorescos do original. O que posso dizer é que o filme não decepcionou, longe disso, me senti conquistado pela segunda vez, a ponto de desejar, mesmo as chances sendo remotas, uma outra continuação. Se a cena inicial do primeiro filme eram os personagens fugindo da polícia em uma maratona desenfreada, esse último também começava com pessoas correndo, só que dessa vez, diferente de uma atmosfera decadente e nada saudável, a cena se desenvolve numa academia, provavelmente um empreendimento bem sucedido de Mark Renton logo após ter passado a perna nos amigos, ou simplesmente um novo ambiente frequentado por um dos protagonistas. Mas se parecia estar tudo bem, um homem que se exercitava em uma esteira aparentemente sofre um ataque cardíaco e despenca do aparelho, mostrando que não, não estava tudo bem, presságio de novos conflitos que todo filme precisa ter era sutilmente nos apresentado. Como não podia ser diferente, nesses 20 anos muita água correu, embora os personagens continuassem com suas características marcantes que já sentíamos falta. Não houve muita evolução, suas vidas não progrediram quase nada, ainda menos quando sua chance de subir na vida foi frustrada por um Renton ganancioso e egoísta. Spud, como já podíamos imaginar, continua se afundando na heroína, sua parte do dinheiro intocada por Renton foi usada unicamente para abster seu vício. Chegou a casar, teve filho, vez ou outra se vê em um emprego esporádico, mas seu comportamento inocente e atrapalhado botava tudo a perder. Chegou mesmo ao ponto de tentar o suicídio, tentativa frustrada por Renton, que lhe aparece 2 décadas depois dizendo estar de passagem, mas logo convencido por Spud a passar alguns momentos com os velhos amigos. De todos eles, apenas Renton parecia estar levando uma vida saudável, mas os maus hábitos pouco contribuíram para o desgaste de suas aparências, e tirando o peso da idade, são basicamente os mesmos de antes. Por mais canalha que pareça Sick Boy nós torcemos por ele, o andamento de seu negócio próprio juntamente com uma garota de programa com a qual ele se relaciona depende de algumas chantagens com homens importantes, e para um homem que foi traído por um de seus melhores amigos e que quer apenas abrir o seu termas, ao invés de simplesmente se acabar nas drogas não parece ser assim, tão errado. E é justamente com Sick Boy, claro, depois de alguns entreveiros, que Renton entra numa nova ´´sociedade``, depois de convencer os outros e a si mesmo que sua vida realmente não estava nada boa, enquanto Spud se empenha em um novo ´´vício``, dessa vez mais saudável. No meio do processo, apesar de muitas encrencas, a redescoberta de uma boa amizade, mesmo permeada por maus hábitos, que jamais deveria ser deixada de fora e com a lição de que devemos saber perdoar, embora pessoas próximas aparentemente escolham opções mais corretas e vivam uma vida melhorzinha, e algumas sofrências e lembranças doloridas, no final o que fica mesmo é a lição da aceitação de sua real essencial, a compreensão de mensagens que o acompanha desde quando era muito novo para entender, de corrigir, consertar e aproveitar coisas valiosas por mais simples que pareçam, como uma garota bonita que aparece disposta a aprender o que você aprendeu a ensinar. O vilão da história fica mesmo por conta de Francis Begbie que já começa esse filme estando na prisão, que ficou por lá desde o final do primeiro filme e que pelo visto não sairá tão cedo e nem tão facilmente. O homem então dá um jeito de fugir bem ao estilo MacGyver, procurando por sua esposa e filho, que com toda certeza estavam melhores sem ele. Retoma suas atividades criminosas levando junto seu filho, um jovem com um futuro pela frente, que nada se parece com o pai. Begbie sempre foi o meu personagem favorito, ironicamente o único da turma que não usava drogas ilícitas, embora fosse o amigo ´´com ressalva`` que ninguém ousaria contrariar, por ter um comportamento agressivo fora do comum que muitas vezes o fazia se comparar a um psicopata, embora acredite que ele não tivesse essa patologia, já que os psicopatas são pessoas frias e não demonstram seus sentimentos. No caso, Begbie seria mais um cara explosivo que talvez sofresse de transtorno explosivo intermitente, somado com desvio de caráter. Tem mesmo de tudo para ser um vilão.
Contudo, o filme não é melhor que o primeiro, pois só é o que é por completar o original. Nesse caso, prefiro tratar os dois filmes por um só. Encerra tão bem o filme original que nos dá a sensação de ser um filme ´´do bem``, aquele que precisava ser feito para corrigir e limpar algumas más impressões deixadas. Bem além de simplesmente tratar de assuntos como drogas, é uma linguagem universal, que fala sobre amizade e juventude. Sim, porque assistir a esse filme me fez lembrar da minha própria juventude, a fase ´´pós adolescente``, sensação que muita gente teve ao assistir, independente de ser consumidora de droga ou não. Acredito eu que todo mundo se identificou ao menos com uma ou outra peripécia de Renton e seus amigos, suas desventuras, envolvendo pessoas do círculo de convívio social e amizades que você, anos depois, se pergunta porque conversava com elas. É claro que enquanto jovem, passando por períodos de descobertas, inícios de novas fases, começo de faculdade, por exemplo (período em que acho que minha vida mais se aproximaria da dos personagens do filme), nos envolvemos em situações e conhecemos pessoas que anos mais tarde vai fazer-nos querer esquecer, no máximo lembrar com bom humor uma época que não vai querer repetir, mas que tanto contribuiu para seu crescimento pessoal, mas será que teria sentido revisitar tudo isso tantos anos depois? No caso de Marck Renton teve, e ele pôde colher os bons frutos que deixou para trás, sem ter germinado. Bom, a diferença é justamente essa, talvez se ele não tivesse se ocupado com as drogas por tanto tempo, ele poderia ter colhido bem antes.