Dizem que o rock morreu
na primeira década do século, pelo menos aqui no Brasil. Quanto ao resto do
mundo eu não sei, mas talvez a situação seja a mesma, nunca mais conheci algo
de relevante nesse estilo musical. Posso dizer, seguramente, que parei no tempo,
minhas bandas preferidas são sempre as mesmas, de repente apenas me tornei um
tiozinho desinteressado que não se impressiona com mais nada. O que foge à
regra é uma novidade que não passou despercebida a meus olhos, um estilo
diferenciado, produzido lá no Japão (sempre eles a ditar moda), o Kawaii Metal.
Kawaii, que numa tradução literal quer dizer algo como fofinho, cute, somado
com o estilo trevoso e pesado do metal forma uma combinação contraditória, com
garotinhas pubescentes de vozes agudas e guitarras distorcidas e batidas
nervosas, com direito a coreografias e modelitos infantis, dando impressão, a
cada clipe, se tratar de umas Chiquititas da deep web. Gosto de inovação e,
tendo a mente aberta, acolhi a novidade com boa vontade e me dei a chance de
ouvir Baby Metal, primeira banda do gênero a se ter notícia aqui no ocidente,
quem sabe essa variação do rock pesado japonês seja a reciclagem musical que
estávamos precisando? Me surpreendi com algumas faixas do disco de estreia do
grupo, a começar pelo principal hit Gimme Chocolate, e descobri que, de
repente, nem era tão metal assim. Músicas simplesmente dançantes, ideais para
correr ou malhar, outras bem chatas e caidinhas, talvez o clima sombrio de
certas composições e de outras de instrumental arrastado e farofa pudesse fazer
render o rótulo de metal, se bem que sou desses tantos que não se prendem a
rótulos, e quem sabe por essa razão eu não classificasse Baby Metal como outro
estilo além de uma genuína invenção contemporânea do rock japonês. Porém, marketing
é tudo, pode ter sido fundamental para o sucesso internacional da banda se
vender desse jeito.
Baby Metal, no entanto,
não é mais tão novidade assim. As vocalistas (agora duas apenas, sendo que uma
delas, a Yuimetal, deixou o grupo em 2018) Su-metal e Moametal já não são mais
adolescentes, mas continuam a ser o lucro da banda. Se você não é fan vai saber
bem pouco ou quase nada dos músicos por trás das cantoras, já que não são nem
de longe tão importantes quanto elas. Recentemente o grupo lançou o disco duplo
Baby Metal Budokan, de músicas ao vivo, e é bastante cultuado pelo meio otaku
afora, e como vivemos tempos diferentes é bem menos hateada pela galera do
metal pesado como seria antigamente. Confesso que depois do primeiro disco fui
me interessando cada vez menos pela banda. O hit Awadama Fever, do segundo
disco Metal Resistance, até me despertou uma atençãozinha, mas os outros
trabalhos, incluindo aí músicas elogiadas pela mídia especializada, não me
agradaram mais.
Outras
bandas de Kawaii Metal
Pouco tempo depois de
conhecer Baby Metal descobri outra banda do gênero, dessa vez bem menos dark e
mais colorido e alegre, chamada Lady Baby. Também composta por um trio, mas em
vez de três garotas, eram duas garotas e um homem feito, o tal de Lady Beard,
sem dúvida o destaque da banda, por seu jeito próprio de dançar, se comportar e
se vestir como se também fosse uma garotinha. Apesar de gigante é uma figura
cute, o que destoa é seu vocal gutural que fazia toda diferença para a banda
poder se denominar metal. Porém Lady Beard não ficou muito tempo, apenas o
suficiente para seguir carreira com outros grupos, mantendo autonomia sobre seu
nome e imagem, que, além de tudo, não era oriental e exibia excelente forma
física de lutador de Luta Livre.
Death
Rabbits (Desurabbits)
A partir de Lady Baby
passei a notar certo novo padrão nas bandas Kawaii Metal; duas ou três meninas
e um ´´mascote``, uma figura peculiar masculina que destoa das demais
integrantes. No caso de agora, o Bucho (personagem de Akira Kanzaki, fundador
da banda), um personagem obscuro com toda pinta de vilão de seriado sci-fi. Desse
grupo eu amei as meninas, todas elas muito fofas, as danças parecem fazer
sentido para mim, mas o aspecto dark da paleta de cores da faixa Nande (minha
favorita) somado a outros elementos bizarros da banda, a começar pelo nome,
deixa cada vez mais uma cara de ´´Chiquititas ao reverso``. De todas as bandas
que citei essa é a menos metal. Se eu tivesse que fazer uma definição eu diria
algo como... rock japonês para meninas. A própria voz de Bucho em nada tem a
ver com metal, mas está sempre presente de alguma forma nas músicas, dividindo
espaço com as três garotas. Um detalhe interessante é que, em se tratando de
letra, é o que menos importa, dada a dificuldade e a falta de interesse para
com o idioma japonês.
Kawaii
Brasileiro: Tudo que faz sucesso gera imitação,
portanto não era difícil imaginar que um ou outro grupo de garotas pubescentes
fosse aparecer por aí aproveitando-se da onda kawaii, ainda mais numa época em
que o empoderamento feminino está em alta. O difícil mesmo é reconhecer o
estilo em sua sonoridade apenas, sendo o idioma japonês tão característico. Foi
o que aconteceu com Três Evas, uma espécie de cosplay de baby Metal. As
meninas, todas elas uma graça, insistiam a todo custo copiar a banda japonesa,
seja em coreografias mal trabalhadas e no figurino saia de tule e jaquetinha
fake de fantasia improvisada. O vocal das meninas até que não era ruim e o
instrumental surpreendentemente era bom, difícil era imaginar como esse pessoal
todo se juntou, pois diferente do kawaii metal tradicional onde se conta com
profissionalismo e toda uma grande estrutura comercial, aqui no Brasil
´´roqueiros da pesada`` não se misturam com menininhas. De certo uma delas era filha de um
músico, vai saber. Enfim, o grupo teve vida curta, lançou apenas três músicas e
foi pouco divulgado, fazendo pequenas aparições em eventos otakus do Rio de
Janeiro, sua cidade natal. Permanece até hoje como sendo a única banda
brasileira de kawaii metal, mas não é difícil aceitar se pensarmos que era uma
modinha adolescente e que meninas, desde sempre, crescem rápido. Faltou
alguma coisa? Claro que sim, um bom empresário, mais investimento no figurino e
fotos de divulgação mais caprichada. Apesar de tudo consigo achar a banda um
projeto positivo. Nesssa época em que é difícil conhecer música de qualidade e
os adolescentes cantam lixo como ´´... ela quer p@u, p@u ...``, encontrar
cantando rock e lançando clipes em que se dispõem a entrar em rodas punk,
lembrando se tratar de meninas... me parece muita coisa. E coisa boa.
Três Evas |
Mas aí eu volto a outra
questão; por que definir-se então como kawaii metal, se nem é metal de fato,
tampouco japonês? Por que imitar os figurinos das bandas japonesas? Por que não
aproveitar o momento em que as mulheres tem voz mais ativa e as meninas já não
são mais tão frágeis para se lançarem no meio mais pesado do rock, usando e
abusando de mensagens e simbologias, tendo o kawaii apenas como ponto de
partida? Fica então a dica. Torço para que essas moças, ao olharem para o
passado, tenham em mente que participaram de um projeto que poderia ter mais
força do que imaginavam.
Conclusão: As bandas
que citei foram apenas as que mais gostei, existe uma infinidade no Japão.
Algumas arrisco a dizer que de metal só mesmo o nome, mas quem sou eu para
desmerecer tal título? Enfim, só não digo que é uma boa variação porque poucas
músicas me agradaram de fato, mas de longe é bem melhor ver os jovens curtindo
essa inovação do rock japonês do que os superestimados mcs daqui. Mas se você
já não é mais tão jovem, nem mesmo um otaku, vai ser difícil ouvir falar,
talvez vez ou outra em canais de metal, ou mesmo por memes de Facebook. De
repente você até já viu uma imagem do Lady Beard e ficou sem saber de onde veio
essa figura.