quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Bicrossers - A época em que a Globo invejou a Manchete


Talvez a Globo seja mesmo a responsável pela desconstrução do gênero tokusatsu em nossa terra por exibir a série Power Rangers, que viria a ser um sucesso de 1995 em diante. Mas antes disso a emissora chegou a exibir um tokusatsu original, numa época em que a Rede Manchete não parava de lançar mais e mais produtos do gênero fazendo o maior sucesso em sua programação. O seriado em questão é Bicrossers, que estreou em janeiro de 1991 no horário que hoje é da Malhação, no bloco Sessão Aventura. Quando eu era criança achava esse seriado muito mais infantil que os demais do gênero, assistindo hoje para matar a saudade percebo que ele na verdade estava dentro da média. Claro que tinha muita coisa que me atraía, até mesmo o fato de ser dois heróis de cores diferentes, lembrando os sentais, mas ao mesmo tempo não era e também estava longe de poder ser considerado metal hero. São eles os irmãos Ken, o mais velho e o vermelho, e o Ginjiro (o Din), o azul, que ganharam poderes no primeiro capítulo para salvar o mundo, de alienígenas de outra dimensão, e todo esse blá blá blá genérico que cansamos de esbarrar em produções de super herói e de desenhos animados. Ainda numa fase ´´pós adolescente`` os irmãos dividem o mesmo quarto e sua preocupação é estudar e mexer no computador (o seriado é de 1985 e não existia Internet, mas Din passava muito tempo jogando e fazendo pesquisas, sabe-se lá como). Eles mantêm contato telepático entre eles e sua super audição os permitem ouvir as crianças em apuros, e através de seu guarda roupa, quando conveniente para eles, são atraídos para outra dimensão onde lhe são conferidos poderes que lhes tornam os Bicrossers. O mais velho já está na faculdade, e o laboratório do centro de pesquisas salvou muito a sua pele quando precisou descobrir que tipo era o material alienígena coletado que aparecia em seu caminho. Eles moram com seus pais, mas o pai quase não aparece, e nas vezes que aparece faz o gênero fechadão, reservado, aumentando o estereótipo que os pais asiáticos ligam mais para o trabalho e menos para a família. Ainda nos primeiros episódios ele é raptado e salvo pelos filhos em sua formação Bicrosser, e no final é deixada em aberto a hipótese de que ele percebeu que seus filhos dão umas escapulidas para combater monstros e salvar o mundo (o Japão). Como aliados os jovens heróis tem também a irritante Ayame, filha do Daikichi Takeda, dono da empresa Mão na Roda, que realiza todo tipo de serviço (aqui talvez pudesse ser referida como Marido de Aluguel). Eles estão sempre rodeados pelas crianças do bairro, sua prima é uma delas. 

Mas o curioso mesmo são os vilões da organização Destler. O principal deles é Doutor Q, um homem de visual bastante cômico e ganancioso, louco por jóias. Detesta crianças e costuma usar suas criaturas para maltratá-las e fazê-las chorar, gravando seu choro para apreciação da estátua do demônio Gowla, que cospe diamantes de acordo com a intensidade do sofrimento e angústia contida no choro delas. No final, caso seu plano dê errado e o monstro for destruído, os diamantes viram pedra e frustram a felicidade do Doutor Q. Como aliada ele tem Silvia, uma mocinha até bastante sexy, mesmo com aquele cabelo armadão. Doutor Q também contava com a ajuda praticamente inútil dos Homens de Preto, androides que compunham o time de soldados feitos para apanhar que toda série tokusatsu deve ter. No seriado é explicado que o demônio Gowla vem do Planeta Serpente, de outra galáxia, mas não é deixado claro a origem dos outros vilões, provavelmente são mesmo terráqueos. Nos últimos capítulos ficamos sabendo que seu esconderijo é dentro de um navio ancorado em um cais. E entre monstros, combates, planos toscos e crianças raptadas, os dois heróis vão se tornando um respeitado substituto do seriado anterior, Machine Man, também de Shotaro Ishinomori e produzido pela Toei Company, que já havia percebido que as crianças ainda menores precisavam de uma série com nuances mais leves e mais cômicas que seguissem o estilo Henshin Hero, uma franquia diferenciada desse gênero, que não era nem metal hero nem super sentai. 




Tudo muda a partir do episódio 15: Não sei se foi uma solução criativa, ou se o seriado foi obrigado a mudar seu rumo por conta da audiência, mas já no episódio 14 muita coisa começou a mudar. Doutor Q se enfureceu com Gowla por ele não o satisfazer com jóias e diamantes, o que achei uma coisa inédita nesse estilo de produção, pois até então ele era tido como um líder messiânico do mal, algo como um sr Bazoo, por exemplo, mas pelo que vimos ele era super estimado, tanto que o Doutor Q simplesmente o descartou como uma simples estátua, que mais tarde viria a causar aos heróis momentos embaraçosos dentro de sua própria casa, mas isso é detalhe. No lugar de Gowla surge Gowler Zonguer, dizendo-se irmão de Gowla, mas sua aparência é bem mais hi-fi. Seus cabelos, uma espécie de linha de telefone antigo engruvinhada, deixava sua aparência mais alienígena. Doutor Q também ganhou um capacete mais estiloso e menos trambolhudo nessa nova fase. Com Gowler Zonguer veio Rita, nova aliada que teima em chamar Doutor Q de vovozinho, e ele é tão derretido por ela que mesmo não gostando acaba tolerando. Rita, com seu visual sci-fi retrô, é impulsiva, provoca ciúme em Silvia por ser mais jovem e mais mimada, e as duas rivalizam a preferência de Doutor Q com seus planos malignos. Os planos dos vilões, aliás, deixaram de ser fazer as criancinhas chorarem para algo mais ambicioso e perigoso, o domínio global, e o seriado passa a ficar com mais cara de gente grande dali por diante, podendo ser levado mais a sério e ser comparado com outros seriados semelhantes, só que mesmo assim, mais episódios a frente, vemos umas bizarrices que realmente não permitiam esquecermos o diferencial de tosquice que marcava presença já nos primeiros episódios. O que eu mais gostei em Gowler Zonguer foi o fato dele não ser aquele (agora sim) líder messiânico do mal carrasco, em vez de dar esporro e castigar no final dos episódios a cada monstro derrotado e plano flopado, ele apresenta uma outra solução a Doutor Q, lhe cuspindo um disquete com o projeto de criação de um monstro ainda mais ´´terrível`` que o derrotado. Também gostei da maneira que ele saiu no pau com os heróis no último episódio.  A mãe dos jovens heróis também sai do seriado, com a justificativa de que o pai deles foi transferido do trabalho para outra cidade e ela o acompanhava, enquanto os dois irmãos ficam para terminar os estudos. No lugar de sua mamãe, Ayame fica bancando a babá dos dois.

Quanto aos episódios, um que marcou bastante minha infância, como também a de muita gente como podemos comprovar em uma simples pesquisa pela Internet, foi o do ladrão de umbigos. Parece ser uma lenda do Japão ter que tampar o umbigo quando se ouve um relâmpago, e nisso, através de uma tempestade provocada pela organização Destler, aparece um monstro capeta em uma nuvem, que avança e ´´rouba`` o umbigo das crianças, as fazendo confundi-lo com o ´´Trovão``, num efeito visual tosco, macabro e nojento ao mesmo tempo. E as crianças que tiveram o umbigo roubado perdiam o equilíbrio por, tecnicamente, o umbigo estar no centro do corpo. O monstro espalhava o umbigo das crianças pelo corpo para se energizar. Merece ser considerado um episódio clássico de produções tokusatsu.


Fiquei sabendo por esses dias que Yuki Tsuchiya, intérprete do Ginjiro Mizuno, morreu em um acidente de carro em 1990, e o mais triste ainda é que ele era o mais novinho. Gostava dele no seriado, mais que o Ken, e é engraçado pensar que quando conhecemos o seriado no longínquo ano de 1991, ele já não estava mais entre nós. O seriado teve momentos marcantes, ainda mais para quem era criança e assistiu na época, adorava ver o Bicrosser Ken segurando a moto Aéro Crosser para disparar o raio fatal nos inimigos, como uma autêntica Power Bazuca, e como se não bastasse o peso da moto, Gin ainda fazia questão de ficar lá em cima, mesmo não fazendo mais sentido uma vez que o botão de disparo ficava em baixo da moto, não em seu painel. Mas era interessante ver que Gin tinha que soar a camisa e correr até a moto driblando o monstro da vez que tentava impedi-lo, dando doses de realismo, diferente dos monstros dos outros seriados que ficavam de braços cruzados em momentos como esse.
Minha memória não permite saber com exatidão até quando Bicrosser durou na Sessão Aventura, só sei que foi uma época boa essa em que seriados do gênero estavam explodindo por aí, a ponto de até a Rede Globo entrar na onda. Toda dublada no Rio de Janeiro pela Herbert Richards, mesmo a série podendo ser considerada fraca, fico contente por tê-la assistido na época, uns aninhos antes de Power Ranger aparecer por aqui e mudar todo o conceito atribuído ao gênero. Se fosse na época deles, provavelmente veríamos sim Bicrossers, mas com atores com cara de personagens da Malhação. E olha que já passava no horário dessa que seria a novela a ocupar esse pedacinho da grade.

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