terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

50 Tons Mais Escuros deveria passar nas tardes do SBT


Vamos falar sobre o filme 50 Tons Mais Escuros. Antes de tudo, vamos lembrar que a proposta da série literária que o deu origem é sim inovadora. Antes dela, o que tínhamos de mais parecido com o tema a nível mundial é o clássico A História de O, da autora francesa Anne Desclos, que o escreveu sob o pseudônimo de Pauline Réage, romance erótico de sadomasoquismo lançado em 1954, rendendo diversas adaptações desde que foi traduzido para grande parte do mundo. Claro que em se tratando de 50 Tons de Cinza tudo é mais plastificado, mais moderno culturalmente, para atingir um público mais amplo sem erro de interpretação, e até mesmo quem ama falar mal está vendo todos os filmes, se bem que são mais leves que os livros. As pessoas de hoje já não se impressionam tanto pelo estético e sim pelo psicológico, o que o livro tem de melhor, mas talvez a proposta inicial da história não tenha sido bem aproveitada nem nas páginas nem nas telas, que é a relação amorosa não convencional entre pessoas de sexo diferente, de maneira saudável. Se a obra de E. L. James começou como uma fanfic de Crepúsculo, seguiu por um caminho de romance adulto doentio e bizarro, longe de ser o relacionamento sadomasoquista como as pessoas, algumas delas até acompanhando as obras, pensam. Temos um filme interessante sobre isso, Secretária (Steven Shainberg, 2002), que todo mundo que conheceu 50 Tons deve assistir. Estrelado por Maggie Gyllenhaal e James Spader, que coincidentemente (ou não)  também interpreta um tal mr Grey, Secretária é um filme de romance entre um advogado excêntrico e dominador e sua submissa secretária, moça problemática com histórico de tentativa de suicídio que precisa se reabilitar à sociedade, descobrindo-se novamente satisfeita com a vida ao mergulhar em um relacionamento de perversão e jogos de dominação propostos por seu chefe, com o qual passa a viver junto no final, tornando-se felizes para sempre. O filme comete as mesmas falhas de 50 Tons de Cinza, como veremos adiante, mas não é levado a sério, soa mais como uma comédia romântica bizarra com momentos picantes do que com qualquer outra coisa, por isso o tom é mais leve e podemos perdoar. Quanto aos filmes adaptados dos livros de E. L. James, se a princípio é difícil encontrar um tom que o identifique, veremos juntos alguns aspectos que devem ser levados em conta para que não percamos a linha de raciocínio para os filmes seguintes. Ou mesmo achar a que nunca foi encontrada, como muitas pessoas por aí que não sabiam se riam, se choravam ou se se emocionavam.
Antes de tudo, 50 Tons Mais Escuros é uma novela mexicana. Sim, tipo aquelas que passam de tarde no SBT. Pense assim que não vai ter erro de interpretação. Até o nome é cafoninha igual. Temos uma mocinha singela e indefesa que poderia perfeitamente ser chamada de Carmen Adelita, um mega empresário jovem, machão, bonitão e conquistador que podia se chamar Juan Manoel, temos uma vilã de meia idade que é até bonitona, mas muito ruim, mesmo que sua ruindade se limite a destilar veneno, cenas de acidente dramático, vilã problemática e perigosa, chefe cafajeste, vilanesco e metido a conquistador barato, cenas de ciúme, tapa na cara, bebida na cara e casamento chique e cafona como toda produção de novela da televisa tem direito. A relação sadomasoquista é um tempero adicional, como as picardias também. As cenas de sexo, salvo algumas prática excessivas e desnecessárias, não chegam a incomodar, apenas enaltece o amor caliente que jorra do casal. E é justamente nessa relação carnal dos dois que as esquisitices de Christian Grey torna-se um mal a ser combatido, que tanto atrapalha a felicidade plena do casal, pois como sabemos, sexo é muito importante na relação de um casal jovem. Ana não é a moça submissa que Christian desejava que fosse, mas o rapaz é tão bom de traquejo que acaba a fazendo concordar com algumas coisinhas aqui e ali, desde que o clima esteja gostoso e ele faça com jeitinho, sem nem precisar pedir. Mas, como o próprio tal diz, ele não é necessariamente um dominador. O rapaz teve problemas com a mãe usuária de drogas e o pai agressivo, muitas vezes a mãe acabava queimando seu peito e sua barriga com cigarro quando o carregava no colo quando bebê, suas queimaduras não o deixam esquecer disso, tornando-se o limite para os toques, os beijos e carícias de Ana, devidamente demarcadas com batom. Na verdade ele é um sádico, como em suas próprias palavras, e seu prazer em humilhar, infringir dor e sofrimento nas mulheres é para ´´se sentir vingado de todas as mulheres que lhe lembram sua mãe``. Como podemos ver, a pimentinha sadomasoquista que podia ser usada para dar um up grade na relação de qualquer casal, desde que bem empregada, na verdade é um distúrbio, uma patologia, um problema psicológico, e isso ajuda a gerar uma certa intolerância sexual e preconceito quanto a quem gosta desse tipo de prática. Se você quer um estudo acerca do relacionamento BDSM (Bondage, dominação, sadismo e masoquismo) passe longe da série, senão você vai passar raiva. Esse estilo de vida e sexualidade é simplesmente tratado como um comportamento doentio que tanto atrapalha a vida de uma pessoa e tem de ser corrigido imediatamente, seja com tratamento psicológico ou mesmo religião.
Aceite estereótipos e lugares comum. Alguém sempre vai se submeter aos jogos de dor e dominação de Christian, seja uma garota qualquer, ou seja a própria Ana. Por que? Ora, o cara é O CARA. Rico, jovem, bem sucedido, bem arrumado, boa pinta, etc e tal. Do contrário, quem se sujeitaria às humilhações que o homem propõem? O livro ensina que (a culpa é sempre do livro) para ser um dominador você tem que ser o bambambam apessoado, e que qualquer um jamais pode ser um dominador. Fica surreal, a maioria dos homens não é igual o Christian Grey, fazer brincadeiras de dominação passa a se tornar um desejo bem difícil de se realizar. Aquele tal quarto de jogos, mais conhecido como Quarto Vermelho da Dor é um requinte sem tamanho, que passa longe da realidade. Por mais endinheirado que o homem fosse e por mais fan que fosse de sadomasoquismo, teria um ou outro objeto para usar em suas brincadeiras, não aquilo tudo. Fica parecendo que na verdade esse Christian Grey é um garoto de programa. Ou então, sonha ser dono de motel. Aposto que tem coisa ali que ele nem lembraria de usar. Uma coisa que fico pensando é em como seria se a Ana Steele dominasse Grey, será que teria história para contar? Ah, não dá, né? A história tem seu público alvo feminino e todos nós sabemos como nossa sociedade é machista. Além disso, eles são de posições diferentes, e isso implicaria na aceitação da história. Mas tem uma ceninha aqui e ali em que ele parece perder a identidade e decidido a aceitar se manterem em posição de igualdade para um bem em comum, o amor que existe entre os dois. É por essas e outras que percebo que ainda não foi dessa vez que conseguiram abordar o tema de relação sadomasoquista corretamente, por mais que o filme se mantenha único pela falta de medo do ridículo e da falta de senso comum. Insisto em acreditar que esse filme pode perfeitamente ser adaptado para uma novela da Iris Abravanel, só que sem as cenas mais picantes, que não haveria prejuízo nenhum.

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